RIO - Responsável por investigar o esquema de
corrupção na Petrobras, a força-tarefa da Operação Lava-Jato não conseguiu apenas
identificar desvios de, pelo menos, R$ 286 milhões na estatal, mas também, pela
primeira vez, amarrar mais de uma dezena de acordos de delação premiada. Dado
inédito do Ministério Público Federal (MPF) no Paraná mostra que, até semana
passada, foram firmados 12 acordos.
Trata-se da maior quantidade de
delações premiadas numa investigação de um grande caso de corrupção recente. Os
primeiros acordos — fechados com o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras
Paulo Roberto Costa e com o doleiro Alberto Youssef — são tidos como
fundamentais para o sucesso da investigação e levaram a novas colaborações. Uma
vez incriminados, não restou a alguns dos acusados relatar o que sabiam em
troca de uma possível redução de pena.
Além deles, os empresários Julio Camargo e Augusto Mendonça, ambos da Toyo Setal; Pedro Barusco, ex-gerente da diretoria de Serviços da Petrobras; Carlos Alberto Pereira da Costa, gestor de empresas de Youssef; e Luccas Pace Júnior, assistente da doleira Nelma Kodama, já fizeram acordo. Os demais cinco nomes são sigilosos. Mas não é só. Empresas do grupo Toyo Setal, seis no total, firmaram acordos de leniência com o MP, pelos quais se comprometem a colaborar para tentar evitar punições como a de serem proibidas de firmar novos contratos públicos.
COSTA DELATOU 28 POLÍTICOS
Procurador que encabeça a
força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol (leia entrevista na pág. 4), de 34
anos, é direto ao explicar a importância da delação:
- A gente não teria chegado aos
resultados alcançados sem as colaborações.
Para se ter uma ideia do impacto
que os acordos podem ter, apenas Costa delatou 28 nomes de políticos. Segundo o
ex-diretor, eles teriam se beneficiado do esquema montado na diretoria de
Abastecimento da estatal.
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A lista entregue por ele deve
embasar três dezenas de inquéritos, a serem abertos em fevereiro, quando o
Judiciário retonar do recesso. Na lista do delator, constam os ex-ministros
Antonio Palocci (PT-SP), Gleisi Hoffmann (PT-SC) e Mário Negromonte (PP-BA); o
presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL); o presidente da Câmara,
Henrique Alves (PMDB-RN); o atual ministro Edison Lobão, da pasta de Minas e
Energia; os ex-governadores Eduardo Campos (PSB), morto em acidente de avião, e
Sérgio Cabral (PMDB-RJ); o ex-presidente do PSDB Sérgio Guerra, já falecido;
além de senadores e deputados.
Ainda pouco difundida no Brasil,
a delação premiada é prevista em lei desde a década de 90, quando a redução de
pena do delator passou a figurar na Lei de Crimes Hediondos. No entanto, foi em
agosto do ano passado que a delação foi institucionalizada na Lei das
Organizações Criminosas. Assim, pela 1ª vez, falou-se em termo de colaboração
por escrito e, com isso, foi permitida maior eficácia nas investigações.
BANESTADO, MENSALÃO DO DEM,
ALSTON
O doleiro Youssef já havia
lançado mão desse instrumento em 2003, quando foi investigado na Operação Farol
da Colina, da Polícia Federal. À época, a força-tarefa, que também incluía o
procurador Dallagnol, apurou remessas ilegais de dinheiro ao exterior
envolvendo agências do Banestado. No acordo, Youssef se comprometeu a abandonar
atividades relacionadas à movimentação financeira clandestina. O juiz Sérgio
Moro, hoje à frente da Lava-Jato, trabalhou nesse caso. Em 2009, Durval
Barbosa, secretário do governo do Distrito Federal, tornou-se o delator da
Operação Caixa de Pandora. O caso ficou conhecido como mensalão do DEM e
tornou-se notório em razão dos vídeos feitos por Durval, em que aparecia
entregando maços de dinheiro a integrantes do governo, entre eles o então
governador, José Roberto Arruda.
- Sem esse modelo (de colaboração
premiada), não teria sido possível (avançar tanto). Era um sistema de corrupção
acobertado por aparência de legitimidade - lembra o juiz Alvaro Ciarlini,
destacando que a delação premiada “é uma tendência inexorável em casos que
envolvem organizações criminosas”:
- Mas tem uma questão ética. Para
ter o perdão judicial, o delator tende a fazer a acusação. O juiz tem que medir
o grau de confiança verificando se o depoimento, em tese, está conectado com os
demais elementos de provas. Tem que levar em consideração se o delator confessa
espontaneamente ou se confessa porque as provas são consistentes, depois de ter
sido obstinado em mentir o quanto pôde.
No Brasil, além de Youssef e
Barbosa, o ex-diretor da Siemens Everton Rheinheimer se tornou delator do Caso
Alstom, deflagrado no ano passado. A Alstom é acusada de ter pago R$ 23,3
milhões de propina entre 1998 e 2003 durante os governos de Mário Covas e
Geraldo Alckmin, ambos do PSDB, em São Paulo.
No mensalão, que resultou na
condenação de 25 acusados, entre elas o ex-ministro José Dirceu (PT) e o
operador Marcos Valério, dois réus fizeram acordo de delação: Lucio Bolonha
Funaro e José Carlos Batista. Eles foram assistidos pela advogada Beatriz Catta
Preta, que hoje está à frente do acordo de Costa.
RESSALVAS À DELAÇÃO PREMIADA
Advogado de Marcos Valério,
Marcelo Leonardo diz ter feito duas propostas de delação durante a
investigação. Agora, ainda que a lei permita que a delação seja feita quando a
sentença já está sendo cumprida, Leonardo acredita que essa possibilidade é
“mais difícil”. Valério foi condenado a 40 anos de prisão.
- Fiz uma proposta em 15 de julho
de 2005, mas o procurador-geral não quis examinar. Depois, em setembro de 2012,
o procurador-geral (Roberto Gurgel), também não quis acordo. Agora, depois da
pena, é mais difícil. A delação implica em identificar o coautor, em recuperar
valores. Então, por enquanto, eu e o Marcos Valério não conversamos sobre isso
— diz Leonardo, que acredita que o julgamento pode ter influenciado no grande
número de acordos na Lava-Jato: - Com o grupo político do mensalão obtendo
prisão domiciliar e ficando presos os do banco e o publicitário...
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Alguns advogados fazem ressalvas
em relação à delação. Nélio Machado deixou a defesa de Costa quando o cliente
decidiu pela colaboração:
- Minha formação repudia a
delação, o Estado reconhece a ineficácia para apurar e a benesse ao delator não
contribui para uma sociedade melhor.
- A delação é legítima, mas me
preocupa o mau uso. A lei fala que tem que ser algo espontâneo, voluntário. É
evidente que tanto juiz, polícia e MP precisam garantir essa liberdade do
colaborador. Fico preocupado de que as pessoas sejam submetidas a
constrangimentos ou a pressões - diz o criminalista Pierpaolo Bottini. (Colaborou:
Cleide Carvalho)
oglobo.com
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