É possível que não exista exceção
em determinadas épocas da história em que a sociedade não tenha se espantado
com a mudança de alguns valores de passado recente.
No episódio do ataque ao jornal
francês ”Charlie Hebdo”, nas redes sociais, muitos criticaram os assassinatos,
mas faziam uma ressalva de que o periódico desrespeitara uma crença, uma
religião, um símbolo de fé, como se a indicar que “brincaram com fogo”; pagaram
por isso.
Rebati esse argumento por conta
de se ter muito cuidado com essa justificativa de desrespeito devido à variação
dos valores em tempos e sociedades diferentes.
Citei alguns exemplos. Um, foi
lembrar que os escravos poderiam pagar com as próprias vidas se olhassem
diretamente nos rostos dos seus senhores. Era desrespeito demais; era uma
ousadia infame.
O outro exemplo intolerável
citado seria que em alguns países se uma mulher for vista sozinha acompanhada
de um homem seria – e pode ser – penalizada cruelmente por desrespeito a esse
valor sagrado. Isso vale também se ela se negar ao marido escolhido pelos
parentes, especialmente pelo pai, independentemente de ela ser a segunda,
oitava ou décima esposa desse cidadão.
As mudanças mais comuns
recaem sobre os valores e eficácia de algumas expressões que refletem no
comportamento de toda a sociedade. Aqui no Brasil, os políticos e autoridades
em geral estão desvalorizando algumas palavras e frases por ficarem apenas num
discurso falacioso, sem nenhuma efetividade.
Quando o programa Fantástico, da
Rede Globo, faz uma denúncia, a primeira autoridade que aparece fala que “abriu
uma sindicância interna para apurar o caso”. A polícia fala que “abriu um
inquérito para investigar o sumiço ou o assassinato de uma pessoa”, quando o
índice de apuração de homicídio não passa de 2% (dois por cento). E todos acham
que alguém acredita naquilo que nem eles põem fé no que estão dizendo.
Sobre as diuturnas notícias de
corrupção, o noticiário afirma que o partido divulgou nota e “nega
veementemente” as acusações e o político acusado “afirma que não conhece e que
nunca esteve com o acusador”. Poucos dias, fotos, gravações de voz e de imagens
comprovam almoços e reuniões do acusador e acusado às gargalhadas em total
descontração e intimidade. Aí se completa de que aquela reunião fora para
“tratar de negócios”.
Sem aprofundar nos detalhes, o
rol é muito grande: “número de presentes” numa passeada fornecido pelas
polícias militares; “reforçou o efetivo nessa área”, quando o noticiário
divulga crimes permanentes em determinados locais; “é preciso fazer as reformas
constitucionais importantes”; “não foi bem assim”, essa, embora tenha o
objetivo de amenizar, a probabilidade é de ter sido muito mais grave.
Qualquer pessoa apresenta uma
mudança no semblante quando se sente culpado de algum ato falho. A frase de
Jean-Jacques Rousseau de que se você cora já é culpado aplica-se a qualquer
pessoa; não a políticos e agentes públicos de alto coturno.
Seria mais educativo se fosse
construída uma linguagem mais sincera entre líderes e seu povo, mais condizente
com a realidade.
Derrete como gelo todas as
promessas dos governos estaduais e federal nas recentes campanhas eleitorais.
Agora falam o oposto do que disseram antes. E a mídia brasileira peca – talvez
pelas verbas publicitárias que recebe – em não mostrar o antes e depois e as
mentiras vão se tornando cada vez mais institucionalizadas.
Pedro Cardoso da Costa –
Interlagos/SP para o JV
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