Ato pela democracia recorda mortos na ditadura, pede respeito ao sistema eleitoral e leva multidão ao Centro de SP
Carta em defesa da democracia foi lida nesta quinta (11) na USP — Foto: Tomzé Fonseca/Futura Press/Estadão Conteúdo |
Evento reuniu milhares dentro e
fora da Faculdade de Direito da USP. No salão nobre, ex-ministro José Carlos
Dias leu carta 'Em Defesa da Democracia e da Justiça', organizada por
entidades. Nas arcadas, cerimônia marcou leitura de manifesto feito por
ex-alunos da instituição e terminou com gritos de 'Fora, Bolsonaro'.
O ato em defesa da democracia e
do sistema eleitoral brasileiro reuniu empresários, juristas, artistas,
movimentos sociais e sindicais na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo na
manhã desta quinta-feira (11).
O evento levou uma multidão ao
Largo de São Francisco, no Centro da capital paulista, e foi encerrado com
gritos de "Fora, Bolsonaro".
Dentro da universidade, os
discursos recordaram os mortos na ditadura e foram marcados pela cobrança da
manutenção do Estado democrático de Direito e do respeito ao sistema eleitoral
brasileiro.
A primeira parte do ato ocorreu
no salão nobre da faculdade e teve início por volta das 10h, com empresários e
sindicalistas lado a lado. O reitor da USP, Carlos Gilberto
Carlotti Júnior, abriu os discursos citando as 47
mortes de pessoas da universidade que lutaram contra a repressão militar.
"Nós, da USP, perdemos vidas
preciosas durante um período de exceção, as cicatrizes ainda são visíveis,
vidas que foram ceifadas pela repressão ou livre pensamento. Nesse período,
perdemos 47 pessoas que eram parte de nossa comunidade, nós não esquecemos e
não esqueceremos. Aqueles que rejeitam e agridem a democracia não protegem o
saber, a ciência, o pensamento e não amam a universidade."
E encerrou sua fala exigindo
respeito ao voto e ao sistema eleitoral.
"Queremos eleições livres e
tranquilas, queremos um processo eleitoral sem fake news ou intimidações. A
universidade brasileira é o oposto do autoritarismo."
Em seguida, Oscar Vilhena Vieira,
advogado e membro da Comissão Arns e do Comitê do Manifesto, assumiu a palavra.
Ele afirmou que as 800 pessoas
presentes no salão nobre do prédio representavam todos os movimentos sociais,
sindicais e empresários que superaram as diferenças para lutar por uma única
causa.
"Aqui estão representados os
setores mais vibrantes da economia. Temos os principais movimentos sociais que
lutam pela dignidade do Brasil, além das organizações não governamentais que defendem
os direitos humanos. Todos estão nesta sala. Dada a gravidade do momento que
vivemos, todos foram capazes de transcender suas diferenças e se juntar pela
luta da democracia. Estado de Direito sempre."
Também discursaram durante o
evento: Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central; Telma Aparecida,
representando a CUT (Central Única dos Trabalhadores); a advogada Beatriz
Lourenço do Nascimento, coordenadora da Uneafro Brasil e membro da Coalizão
Negra por Direitos; Horácio Lafer Piva, presidente do conselho deliberativo da
Indústria Brasileira de Árvores (Ibá); Francisco Canindé, na União Geral dos
Trabalhadores; Patrícia Vanzolini, presidente da seccional de São Paulo da
Ordem de Advogados do Brasil (OAB); Raimundo Bonfim, coordenador nacional da Central
de Movimentos Populares e Frente Brasil Popular; Miguel Torres, presidente da
Força Sindical, Sindicato dos Metalúrgicos de SP e Mogi das Cruzes e CNTM;
Bruna Brelaz, amazonense, estudante de direito e presidente da UNE.
Diversas
personalidades participaram do ato, como a cantora Daniela Mercury, o
ex-jogador Walter Casagrande, o ex-locutor Osmar Santos, a apresentadora Bela
Gil, o escritor Marcelo Rubens Paiva, os ex-apresentadores Cazé Peçanha e
Edgard Piccoli, entre outros.
Daniela lembrou do movimento das
Diretas Já!, que ocorreu ao final da ditadura militar.
"Em 1977, eu tinha 12 anos,
estava na ditadura. A comunidade LGBT só pode existir em um país democrático
porque as diferenças só são respeitadas em um país democrático. O autoritarismo
não inclui todos, é quase um reinado, monarquia. Quando falamos isso, as
pessoas não entendem. A gente está aqui porque pessoas fizeram aquele movimento
das Diretas, conseguimos resgatar nossa democracia. A gente elege nossos
representantes. Cada um pensa de uma forma, mas vamos criando formas de
resolver as questões coletivas e assim que tem que ser. A gente não precisa
concordar com o outro, a gente precisa conseguir encontrar um caminho do meio
para fazer políticas públicas importantes, para acabar com as desigualdades,
acabar com o racismo, acabar com a LGBTfobia, acabar com a fome", disse.
Protestos contra a fome
Do lado de fora do prédio da USP,
uma multidão acompanhou pelos telões a transmissão. O público ocupou a área
externa com cartazes e realizou manifestações contra a fome e a favor da
democracia.
Dentre os participantes, estava o
defensor público Rafael Lessa, que levou a família toda ao local. Ele e a
esposa carregavam os filhos Cecília, de 1 ano, e Caetano, de 4 anos.
"Vivemos um período muito
perigoso da nossa história. Precisamos impedir que um desastre aconteça. Trouxe
meus filhos para ensinar desde cedo o valor da democracia e da importância da
liberdade plena de direitos."
Motivo semelhante levou o
eletricista Celestino Conceição Lima, de 81 anos, a participar do evento.
"Em 81 anos de vida, já vivi
de tudo. E posso garantir que a democracia é o melhor regime que o Brasil já
teve. Sou contra qualquer golpe. Quero deixar pros meus bisnetos um Brasil de
liberdade de verdade", afirmou.
Em uma mesa instalada no local,
pães formavam a palavra "democracia", em protesto organizado pelo
coletivo “Banquetaço”, que reúne chefes de cozinha, estudantes e o MST.
Fantasiados
de animais, integrantes do movimento "Reviravolta de Gaia" também
participaram do ato.
Espalhados pelo salão nobre da
Faculdade de Direito da USP, e do lado de fora do Largo São Francisco, os
"animais" levavam cartazes com frases como "direito
selvagem".
"Somos pessoas que
representam os animais também como seres de direitos. Também estamos aqui para
participar dos processos políticos do país. Somos a reviravolta de Gaia",
disse um representante fantasiado de ave dentro do salão nobre enquanto a
primeira carta em defesa da democracia era lida.
Leitura das cartas
Às 11h10, o ex-ministro da
Justiça José Carlos Dias, presidente da Comissão Arns, leu a primeira carta,
intitulada "Em Defesa da Democracia e da Justiça”, que tem como
signatárias 107 entidades, entre associações empresariais, universidades, ONGs
e centrais sindicais.
“Hoje é um outro momento, um
momento grandioso, eu diria talvez inédito, em que capital e trabalho se juntam
em defesa da democracia. Eu acho que nós estamos celebrando aqui, com alegria,
com entusiasmo, com esperança, com certeza. Nós estamos celebrando o hino da
democracia", disse o ex-ministro.
As falas dentro do salão nobre
foram encerradas com o discurso do reitor da USP.
Manifesto da USP
Na sequência, nas arcadas, a
atriz Roberta Estrela D'Alva abriu a cerimônia de leitura da “Carta às
Brasileiras e aos Brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito”,
organizada por ex-alunos da faculdade e que contava com mais de 965 mil signatários
até as 15h desta quinta.
Manuela de Moraes, presidente do
Centro Acadêmico XI de Agosto, foi a primeira a falar.
"Hoje surge como tarefa
democrática a união de diversos setores da sociedade para defender as
liberdades e os direitos pelos quais uma geração inteira de lutadores deu a
vida para conquistar. É por esta razão que nos congregamos hoje. [...] Nós, que
éramos os outros, agora fazemos parte dessa nova carta. Somos jovens, negros,
periféricos: uma nova intelectualidade que é fruto da escola pública, das
quebradas e das favelas.”
Na sequência, o diretor da
Faculdade de Direito da USP, Celso Campilongo, assumiu o microfone.
"Aqui nós temos a reunião de
sindicalistas, de empresários e de movimentos sociais da sociedade civil. Isso
mostra que as eleições já têm um vencedor, este vencedor é o sistema eleitoral
brasileiro. Este vencedor é a legalidade do Estado democrático de Direito
sempre. Principalmente, o mais importante, o vencedor da eleições é o povo
brasileiro."
Antes de iniciar a leitura da
segunda carta, foi feita uma homenagem aos signatários do documento de 1977.
O manifesto foi lido por Eunice
de Jesus Prudente, professora da faculdade de direito da USP e da faculdade
Zumbi dos Palmares; Maria Paula Dallari Bucci, professora da faculdade de
direito da USP; Flávio Flores da Cunha Bierrenbach, um dos articuladores da
carta aos brasileiros de 77 e ex-ministro do Tribunal Superior Militar; e Ana
Elisa Liberatore Silva Bechara, professora e vice-diretora da Faculdade de
Direito da USP
A leitura foi encerrada por volta
das 12h40 com um coro do público presente pedindo "Fora, Bolsonaro".
Escolha da data
A data foi escolhida por marcar o
aniversário da criação dos cursos de direito no país e coincide com a leitura
de um manifesto no mesmo local, em 1977, para denunciar a ditadura militar, que
subtraiu direitos e matou opositores do regime.
Os primeiros a aderir a este
movimento foram ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), artistas,
acadêmicos, banqueiros e empresários.
Desde quando foi
aberta a toda a sociedade, a carta já foi endossada por 727 porteiros,
8.973 desempregados, 5.045 enfermeiros, 4.217 motoristas, 6.619 policiais, 519
delegados de polícia, 28.868 engenheiros, 15 mil médicos e 4231 magistrados,
entre outros, segundo os responsáveis pela iniciativa.
Os presidenciáveis Lula (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Felipe
D’Ávila (Novo), Soraya
Thronicke (União Brasil), Sofia
Manzano (PCB), Léo Péricles (Unidade Popular)
e José Maria Eymael (Democracia
Cristã) também a assinaram, assim como os ex-presidentes Fernando
Henrique Cardoso (PSDB)
e Dilma Rousseff (PT).
“Ataques infundados e
desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado
democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São
intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a
incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Assistimos
recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia
norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança
do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão”, diz trecho
da carta (leia mais abaixo a íntegra do texto, que foi publicado também em
inglês, espanhol, francês, italiano e alemão).
O documento, que foi lançado
depois de seguidos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra as urnas
eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro, não cita seu nome. Bolsonaro
não a endossou e fez críticas.
A carta também recebeu
quase 20 mil tentativas de fraude desde que foi lançada, segundo o
procurador-geral do Ministério Público de Contas de São Paulo, Thiago Pinheiro
Lima, um dos organizadores da iniciativa.
Na madrugada da quarta (8),
segundo Pinheiro Lima, um hacker tentou derrubar o site ao criar um robô que
provocava 8 milhões de acessos simultâneos no site “Estado de Direito”.
Também na quarta, foi
divulgado um vídeo em que 42 artistas se dividem na leitura do documento.
Leia a íntegra da 'Carta às
brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito':
"Em agosto de 1977, em meio
às comemorações do sesquicentenário de fundação dos Cursos Jurídicos no País, o
professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território
livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual
denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em
que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a
convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos.
O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte
resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o estado
democrático de direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o
Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o
compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a
Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição
Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições
livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para país
sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada
em nossa Constituição “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
Nossas eleições com o processo
eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias
alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição
republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis,
assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e
amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em país de profundas
desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como
saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no
desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O
Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por
maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação
sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a
estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos
mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento,
deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos
políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do
país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica,
estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática,
risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das
eleições.
Ataques infundados e
desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o estado
democrático de direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São
intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a
incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a
desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia
norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança
do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é muito
maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado
divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem
democrática.
Imbuídos do espírito cívico que
lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre
do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou
partidária de cada um, clamamos as brasileiras e brasileiros a ficarem alertas
na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais
espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado.
A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente
pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as
tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito
Sempre!!!!"
Via g1
Comentários
Postar um comentário