Pedro Cardoso da Costa/SP para o
JV
De novo a história se repete e
muitas campanhas começam a ser desencadeadas contra a fome no dia de Natal.
Todos sabem que essas iniciativas
se limitam a dar comida no Natal a quem passa fome o ano inteiro. Pode parecer
que elas são felizardas por conseguirem alcançar as benesses desse período,
enquanto muitas morreram vencidas fatalmente pela fome.
Em virtude de um vício nacional
de só tentar combater os problemas depois de eles se tornarem crônicos, caberia
algumas observações sobre este assunto, sem nenhuma reprovação a essas
iniciativas.
Quando são realizadas campanhas
de arrecadação financeira, a prestação de contas se restringe somente ao
montante arrecadado, sem detalhar a relação receita verso despesa. No máximo
apresentam alguns projetos ou instituições beneficiados, sem mencionar com
quanto.
Mais grave, entretanto, seria
nunca haver prestação de contas do valor total arrecadado com as campanhas.
Este nunca é citado. Claro que se tal campanha arrecada 10 milhões, todo o
valor deve ser empregado para a finalidade específica, descontados eventuais
impostos e despesas com a campanha, em razão de o dinheiro vir da população.
Não se sabe de alguém conhecedor
dessa prestação de contas integral. Além disso, apenas exemplos isolados não
são suficientes para a clareza necessária. A prestação de contas completa e
detalhada traria maior credibilidade às iniciativas.
Por serem apenas sazonais, elas
retiram o debate e as ações concretas com vista a erradicar a fome por todo o
ano em todo o planeta. As campanhas ajudam, mas devem ser tratadas pelo
que são; somente paliativos.
Todos devem colaborar nos natais.
Se isso, entretanto, for apenas para deixar aliviados alguns corações achando
que já fizeram a sua parte o bastante, ao invés de ser um bem, torna-se um mal
pela ilusão que se cria em detrimento de ações efetivas. Nenhum ser é moldado a
só precisar de comida nos fins de ano. A fome não pode permanecer insolúvel o
tempo todo, acobertada por uma cortina de campanhas em datas históricas ou
depois de catástrofes.
Natal sem fome é bom, desde que
não seja instrumento para camuflar eternamente uma nação que come apenas nos
fins de ano e passa o resto da vida inteira com fome e miséria.
Muita gente já penou depois deste
texto, escrito no Natal de 2001. Como eu havia dito naquela oportunidade,
muitas pessoas vão comer bem neste Natal, com a triste certeza de que passarão
fome durante o ano inteiro; sem levar em conta de quem seja a culpa, este mundo
só será minimamente justo quando todos tiverem a oportunidade de comer
normalmente, sem fome prolongada de pessoas, famílias e nações. O ideal não é
num Natal, mas um mundo permanentemente sem fome. Seria este o objetivo, ainda
que pareça utópico; mas seria a busca de um ideal.
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