Do D24am:-‘Guerra em prisões é para substituir FARC’



Manaus - Quem quiser entender o porquê da súbita e violenta guerra entre facções no Brasil pode começar com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o vazio que elas deixaram no narcotráfico, ao assinar o acordo de paz na Colômbia. A avaliação é de Paulo de Tarso dos Santos, da Unicamp. Estudioso do PCC e da vida penitenciária no País, o professor, aposentado, vem investigando há tempos o que chama de “geopolítica da droga no continente”. Cautelosamente, ele prefere chamar a análise do fenômeno de “uma hipótese a se investigar”. As informações foram publicadas na coluna da jornalista Sonia Racy, do jornal O Estado de S. Paulo.

“As Farc tinham uma presença dominante e decisiva nesse mercado e sua saída acarreta muitas mudanças”, diz o cientista político. “Não foi por acaso que os embates, até aqui, ocorreram justamente em Manaus, Boa Vista e Natal” – áreas que estão “no caminho” das rotas de distribuição da droga colombiana.
“É uma briga por pontos estratégicos. Cada grupo sabe que, se não tomar a conexão, o outro toma”, afirmou.
Segundo informações levantadas pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas, a facção criminosa Família do Norte (FDN), apontada como responsável pela morte de 60 detentos, no último dia 1º, no Amazonas, tem conexões estreitas com as Farc . Segundo as investigações, a facção usava essas conexões para comercializar drogas e  comprar armamento pesado para ser usado no Brasil.
Em dezembro, parlamentares colombianos aprovaram  a lei de perdão aos guerrilheiros de base das Farc, que  exigia esse caminho como o último passo  para seu processo de desmobilização e desarmamento e de saíde do narcotráfico, que financiava a guerrilha. A lei oferecerá segurança jurídica ex-combatentes que serão transferidos para áreas designadas onde farão  a transição para a vida civil, e também permitirá que, segundo cálculos do movimento político Vozes da Paz, mais de mil pessoas processadas por crimes políticos e conexos possam recuperar sua liberdade, ainda que condicional.
A FDN é considerada a terceira maior facção criminosa do Brasil, atrás do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro Comando da Capital (PCC). Ela atua, primordialmente, na Região Norte e tem o controle das principais rotas de escoamento de drogas na região da tríplice fronteira entre  Brasil, Colômbia e Peru.
A conexão entre a FDN e as Farc foi apontada pelo MPF nas denúncias contra as principais lideranças da facção brasileira à Justiça Federal no âmbito da operação La Muralla, que atingiu integrantes da facção, em 2014.
Segundo denúncias feitas pelo MPF, o peruano Nelson Flores Collantes, conhecido como ‘Acuario’, é apontado pelas investigações como um dos elos da FDN com as Farc, sobretudo com o braço peruano da organização. Para o MPF, a “proximidade de Acuario” com as Farc “facilitou seu acesso a diversos armamentos” vendidos a integrantes da FDN.
Mensagens de texto interceptadas pela Polícia Federal em 2015 mostram Collantes negociando armas como fuzis AK-47 e submetralhadoras Uzi (de fabricação israelense) com Geomison de Lira Arante, um dos principais integrantes da FDN. Nas mensagens, Collantes deixa claro que as armas seriam entregues a integrantes da facção na cidade peruana de Santa Rosa, na fronteira com o Brasil.
Em outra troca de mensagens interceptada pela PF, um dos principais líderes da facção, João Pinto Carioca, o ‘João Branco’, diz a Geomison que as armas compradas de ‘Acuario’ devem ser usadas nas ‘missões’ da facção na região, referindo-se ao transporte da droga adquirida na Colômbia e no Peru para o Brasil.
Farc não estão envolvidas em motins no Brasil, diz presidente
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, disse que descarta firmemente a hipótese de que o vazio no negócio do narcotráfico deixado pelo acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) possa ter alguma relação com as guerras de gangues nos presídios brasileiros.
“As Farc são um grupo muito disciplinado e só uma porcentagem muito pequena delas decidiu continuar no narcotráfico”, afirma Santos. No entanto, admitiu uma hipótese alternativa: as Farc talvez tenham avisado aos seus interlocutores no narcotráfico brasileiro que estavam se retirando do negócio e que, portanto, caberia a eles assumir.
As Farc sempre negaram que fizessem tráfico de drogas. Santos lembrou, ontem, no Fórum de Davos, que, nos últimos 30 anos, a Colômbia foi o primeiro exportador mundial de cocaína. Lembrou também que o país conseguiu desmantelar cartéis como os de Cali e de Medellin. “Depois de tudo isso, no entanto, “ainda somos o maior exportador de cocaína”, lamentou Santos, com um broche na forma de pomba da paz na lapela.

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