Manaus - Quem quiser entender o
porquê da súbita e violenta guerra entre facções no Brasil pode começar com as
Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o vazio que elas deixaram no
narcotráfico, ao assinar o acordo de paz na Colômbia. A avaliação é de Paulo de
Tarso dos Santos, da Unicamp. Estudioso do PCC e da vida penitenciária no País,
o professor, aposentado, vem investigando há tempos o que chama de “geopolítica
da droga no continente”. Cautelosamente, ele prefere chamar a análise do
fenômeno de “uma hipótese a se investigar”. As informações foram publicadas na
coluna da jornalista Sonia Racy, do jornal O Estado de S. Paulo.
“As Farc tinham uma presença
dominante e decisiva nesse mercado e sua saída acarreta muitas mudanças”, diz o
cientista político. “Não foi por acaso que os embates, até aqui, ocorreram
justamente em Manaus, Boa Vista e Natal” – áreas que estão “no caminho” das rotas
de distribuição da droga colombiana.
“É uma briga por pontos
estratégicos. Cada grupo sabe que, se não tomar a conexão, o outro toma”,
afirmou.
Segundo informações levantadas
pela Polícia Federal (PF) e pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas,
a facção criminosa Família do Norte (FDN), apontada como responsável pela morte
de 60 detentos, no último dia 1º, no Amazonas, tem conexões estreitas com as
Farc . Segundo as investigações, a facção usava essas conexões para
comercializar drogas e comprar armamento pesado para ser usado no Brasil.
Em dezembro, parlamentares
colombianos aprovaram a lei de perdão aos guerrilheiros de base das Farc,
que exigia esse caminho como o último passo para seu processo de
desmobilização e desarmamento e de saíde do narcotráfico, que financiava a
guerrilha. A lei oferecerá segurança jurídica ex-combatentes que serão
transferidos para áreas designadas onde farão a transição para a vida
civil, e também permitirá que, segundo cálculos do movimento político Vozes da
Paz, mais de mil pessoas processadas por crimes políticos e conexos possam
recuperar sua liberdade, ainda que condicional.
A FDN é considerada a terceira
maior facção criminosa do Brasil, atrás do Comando Vermelho (CV) e do Primeiro
Comando da Capital (PCC). Ela atua, primordialmente, na Região Norte e tem o
controle das principais rotas de escoamento de drogas na região da tríplice
fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
A conexão entre a FDN e as Farc
foi apontada pelo MPF nas denúncias contra as principais lideranças da facção
brasileira à Justiça Federal no âmbito da operação La Muralla, que atingiu
integrantes da facção, em 2014.
Segundo denúncias feitas pelo
MPF, o peruano Nelson Flores Collantes, conhecido como ‘Acuario’, é apontado
pelas investigações como um dos elos da FDN com as Farc, sobretudo com o braço
peruano da organização. Para o MPF, a “proximidade de Acuario” com as Farc
“facilitou seu acesso a diversos armamentos” vendidos a integrantes da FDN.
Mensagens de texto interceptadas
pela Polícia Federal em 2015 mostram Collantes negociando armas como fuzis
AK-47 e submetralhadoras Uzi (de fabricação israelense) com Geomison de Lira
Arante, um dos principais integrantes da FDN. Nas mensagens, Collantes deixa
claro que as armas seriam entregues a integrantes da facção na cidade peruana
de Santa Rosa, na fronteira com o Brasil.
Em outra troca de mensagens
interceptada pela PF, um dos principais líderes da facção, João Pinto Carioca,
o ‘João Branco’, diz a Geomison que as armas compradas de ‘Acuario’ devem ser
usadas nas ‘missões’ da facção na região, referindo-se ao transporte da droga
adquirida na Colômbia e no Peru para o Brasil.
Farc não estão envolvidas em
motins no Brasil, diz presidente
Em entrevista ao jornal Folha de
S. Paulo, o presidente colombiano, Juan Manuel Santos, disse que descarta
firmemente a hipótese de que o vazio no negócio do narcotráfico deixado pelo
acordo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) possa
ter alguma relação com as guerras de gangues nos presídios brasileiros.
“As Farc são um grupo muito
disciplinado e só uma porcentagem muito pequena delas decidiu continuar no
narcotráfico”, afirma Santos. No entanto, admitiu uma hipótese alternativa: as
Farc talvez tenham avisado aos seus interlocutores no narcotráfico brasileiro
que estavam se retirando do negócio e que, portanto, caberia a eles assumir.
As Farc sempre negaram que
fizessem tráfico de drogas. Santos lembrou, ontem, no Fórum de Davos, que, nos
últimos 30 anos, a Colômbia foi o primeiro exportador mundial de cocaína.
Lembrou também que o país conseguiu desmantelar cartéis como os de Cali e de
Medellin. “Depois de tudo isso, no entanto, “ainda somos o maior exportador de
cocaína”, lamentou Santos, com um broche na forma de pomba da paz na lapela.
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