SÃO PAULO - Na certidão de
nascimento, o nome de Camila está ainda no masculino. Hoje, aos 20 anos, ela
decidiu que passaria pela transição de gênero para ser identificada como
mulher. A decisão encontrou resistência dentro da própria casa: sem aceitar, o
pai dela chegou a interná-la numa clínica masculina para dependentes químicos,
em janeiro deste ano. Ele queria que sua “masculinidade fosse reforçada” e,
para isso, ainda cortou os seus longos cabelos e jogou fora as roupas
femininas.
O drama de Camila não tem sido
isolado no país, e vem ganhando um polêmico contorno político. Há hoje dois
projetos na Câmara dos Deputados defendendo a chamada “cura gay”. Embora a
transexualidade seja diferente de orientação sexual, acaba inserida nesse
contexto.
A promessa de conversão ou
reversão da orientação sexual foi proibida por resolução do Conselho de
Psicologia (CFP) há quase duas décadas no país, mas nunca deixou de ser
praticada por profissionais da área que ainda consideram homossexualidade uma
patologia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) a retirou de sua lista
internacional de doenças em 1992.
Em projeto apresentado na Câmara no fim do ano passado, o deputado Pastor Eurico (PSB-PE) pediu a suspensão dessa norma e sugeriu “pesquisa científica sobre o comportamento das pessoas homossexuais”. Já a proposta do pastor Ezequiel Teixeira (PTN-RJ), também de 2016, fala em “direito à modificação da orientação sexual em atenção à dignidade humana”. Os dois textos aguardam relatoria para análise e votação.
A conselheira do CFP Sandra
Spósito diz que, embora os dois textos não usem o termo “cura gay”, permitem a
promessa de reversão por profissionais. Ela fala também que pesquisas
internacionais segundo as quais as tentativas de conversão causaram maior
sofrimento nas pessoas acabaram por criar quadros clínicos de depressão nos
pacientes.
— Existe uma compreensão da
homossexualidade não respaldada pela ciência e, nessa arena política e
jurídica, há uma tensão grande, abrindo espaço para uma disputa de poder —
conclui Sandra.
Além do Brasil, somente outros
dois países têm regras igualmente claras sobre a reversão em todo seu
território: Equador e Malta, conforme aponta o relatório divulgado em maio da
Associação Internacional de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e
Intersexuais (ILGA). Tribunais na China, Taiwan e Israel vêm condenando esse
tipo de tratamento.
Para o advogado Marcelo Gallego,
da Comissão da Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), em Jabaquara (SP), tentar curar a homossexualidade ou mudar a identidade
de gênero de uma pessoa, além de ferir a Constituição, é propaganda enganosa,
porque “é um produto que não existe, uma vez que não há doença”.
— Eu passei por isso aos 8 anos
de idade e um monte de gente passa — revela o advogado, hoje com 40 anos.
O pastor de Belo Horizonte
Gregory Rodrigues Roque de Souza, de 25 anos, também viveu a experiência. Ele
tinha 16 anos.
Os pais, ao descobrirem um namoro
com outro jovem da mesma idade, lhe deram duas opções: ou ele sairia de casa ou
se trataria. Ele tentou o suicídio.
— Foram meses com a psicóloga
repetindo que eu tinha que mudar, que eu estava sofrendo, que era pecado e que
ser desta forma estava me fazendo mal. Não escolhi ser o que sou, e infelizmente
tem pessoas que, quando não compreendem algo, demonizam a situação. É mais
fácil do que aceitar — diz ele, que hoje se dedica a contar sua experiência em
um canal na internet.
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