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A crise, que envolveu chefes de
Estado africanos, mobilizou congressistas brasileiros e o Itamaraty, pode
resultar na expulsão da Iurd de São Tomé e Príncipe, uma ex-colônia portuguesa
insular com cerca de 200 mil habitantes no oeste da África.
O imbróglio teve início em 11 de
setembro, quando um pastor são-tomense da Universal foi preso na Costa do
Marfim, acusado de ser o autor de mensagens que denunciariam supostos abusos da
igreja contra funcionários africanos.
Segundo a Iurd, que havia
denunciado as mensagens à polícia marfinense, os textos continham “mentiras
absurdas e calúnias” sobre a igreja, divulgados por aplicativos de conversas e
por um perfil falso no Facebook.
O são-tomense preso, Iudumilo da
Costa Veloso, virou pastor da Universal em seu país natal, mas foi transferido
há 14 anos para a Iurd da Costa do Marfim. Nove dias após ser detido, ele foi
considerado culpado pelas mensagens e condenado a um ano de prisão.
Os textos atribuídos a ele
acusavam a Iurd de privilegiar pastores brasileiros e discriminar clérigos
africanos. Segundo os posts, a Universal impedia muitos pastores africanos de
se casar ou os obrigava a fazer vasectomia para que não tivessem filhos —
assim, poderiam se dedicar integralmente à igreja.
O autor também acusava bispos e pastores
brasileiros de se apropriar de dízimos recebidos pela igreja, além de
“humilhar, insultar, esmagar e escravizar os (pastores) africanos”.
O autor conclamava os
funcionários locais a se insurgir contra a igreja. “Éramos muito pacientes,
humildes demais, educados demais. Agora é hora de agir sem piedade!”, diz um
dos textos, em francês, língua principal da Costa do Marfim.
Veloso confessou à polícia a
autoria das mensagens. A defesa do pastor diz, no entanto, que ele é inocente e
foi induzido a assumir a responsabilidade na expectativa de ser solto.
Mulher grávida
A notícia sobre a prisão do
pastor chegou a São Tomé e Príncipe com a mulher do religioso, Ana Paula
Veloso. Em entrevistas e posts nas mídias sociais, ela disse que, dias após a
prisão do marido, foi obrigada pela Universal a deixar a Costa do Marfim às
pressas, embora estivesse grávida e quisesse permanecer no país.
Afirmou, ainda, que a igreja não
ofereceu qualquer auxílio jurídico ao pastor. Veloso foi expulso da Iurd após a
prisão.
Os depoimentos da mulher se
espalharam e geraram revolta entre muitos são-tomenses, para quem a Universal
havia orquestrado a prisão de Veloso para impedir a divulgação de denúncias
contra a igreja. Já a Iurd afirma que apenas acionou a polícia marfinense por ser
vítima de um crime, mas que foram as autoridades locais que o identificaram e
puniram.
Morte em protesto
Em 16 de outubro, centenas de
manifestantes vandalizaram e saquearam seis dos 20 templos da Universal em São
Tomé. Eles exigiam que a Universal negociassem com autoridades marfinenses a
soltura de Veloso e seu retorno ao país natal.
A Polícia Militar interveio, e um
manifestante são-tomense de 13 anos morreu baleado. O nome do jovem não foi
revelado.
O produtor cultural são-tomense
Nig d’Alva, que estudou administração de empresas em Fortaleza, diz à BBC que a
revolta “foi a gota d’água de decepções que algumas pessoas tiveram em relação
à igreja”.
Segundo d’Alva, há “repulsa” em
São Tomé e Príncipe quanto a uma postura da Universal que ele classifica como
“segregadora”: ele diz que muitos fiéis da Iurd deixaram de conviver com outras
pessoas “porque a igreja diz que são mundanas, que não são cristãs o
suficiente, e isso cria um ódio.”
Esse descontentamento, segundo
ele, se somou a uma reação nacionalista contra detenção na Costa do Marfim “de
um filho da terra sem que houvesse uma resposta do estado são-tomense e da
própria igreja”.
Por mais que considere legítima a
causa dos manifestantes, o produtor cultural diz que o movimento foi
impulsionado pela oposição são-tomense, que aproveitou a revolta para golpear o
governo e acusá-lo de ser submisso perante a igreja.
“Parte das pessoas metidas nas
manifestações foi induzida ao erro. Só isso explica terem chegado a esse nível
de violência, de queimar carros, como se só assim fossem resolver a situação.”
Pedagogia do empreendedorismo
Autora de vários artigos sobre a
presença internacional da Iurd, a cientista social Camila Sampaio, professora
da Universidade Federal do Maranhão, diz que igreja teve êxito em países
africanos ao pregar uma “pedagogia do empreendedorismo”.
Nessas nações, diz ela, muitas
famílias egressas do meio rural encontraram na Iurd ensinamentos práticos sobre
como se portar no “novo universo urbano”.
“A igreja diz ‘vou te ensinar
como ser uma mulher moderna, trabalhar fora e cuidar do marido’, ou ‘vou fazer
você prosperar, vou te ensinar a abrir um negócio e ser melhor que o do
vizinho’. As pessoas se sentem contempladas nesse discurso”, afirma.
Sampaio afirma que a igreja
também soube se articular com figuras importantes dos países onde atua. Em
Angola, por exemplo, a igreja tem entre seus fiéis altos dirigentes do MPLA,
partido que governa o país desde 1975.
Segundo a professora, a expansão
da Universal pela África atende a dois objetivos da igreja: ampliar o número de
fiéis e ocupar um espaço simbolicamente importante para os seguidores
brasileiros.
“Eles se orgulham de dizer que
estão em vários países africanos, e os fiéis brasileiros gostam de ver a igreja
fazendo obra na ‘terra da feitiçaria,” diz Sampaio.
Esses fatores explicariam,
segundo Sampaio, o engajamento da cúpula da Iurd para conter uma crise em um
país pequeno e considerado pouco relevante diplomaticamente.
Outro motivo seria o medo de que
a revolta afete a imagem da igreja e se espalhe por outras nações.
Em 2013, a Universal foi
suspensa temporariamente em Angola após 16 pessoas morrerem pisoteadas num
culto da igreja.
Oito anos antes, a Justiça
de Madagascar proibiu as atividades da igreja após a entidade ser acusada
de queimar bíblias e outros objetos religiosos num culto.
Via BBC Brasil
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