Jõ Soares/Foto:Divulgação |
Apresentador e humorista estava
internado no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, desde o dia 28 de julho.
Causa da morte não foi divulgada.
O apresentador, humorista, ator e
escritor Jô Soares morreu
às 2h30 desta sexta-feira (5), aos 84 anos. Considerado um dos maiores
humoristas do Brasil, o apresentador do “Programa do Jô”, exibido na TV Globo
de 2000 a 2016, estava internado desde 28 de julho no Hospital Sírio-Libanês,
na região central de São Paulo, onde
deu entrada para tratar de uma pneumonia.
A causa da morte não foi
divulgada. O enterro e velório serão reservados à família e aos amigos, em data
e local ainda não informados.
O anúncio da morte foi feito por
Flávia Pedra, ex-mulher de Jô, e confirmada em nota pela assessoria de imprensa
do Hospital Sírio-Libanês.
"Você é orgulho pra todo
mundo que compartilhou de alguma forma a vida com você. Agradeço aos senhores
Tempo e Espaço, por terem me dado a sorte de deixar nossas vidas se cruzarem.
Obrigada pelas risadas de dar asma, por nossas casas do meu jeito, pelas viagens
aos lugares mais chiques e mais mequetrefes, pela quantidade de filmes, que
você achava uma sorte eu não lembrar pra ver de novo, e pela quantidade
indecente de sorvete que a gente tomou assistindo”, escreveu Flávia em uma rede
social.
Humor como marca registrada
Em todas as suas inúmeras
atividades artísticas – entrevistador, ator, escritor, dramaturgo, diretor,
roteirista, pintor... –, Jô Soares teve o humor como marca registrada. Foi seu
ponto de partida e sua assinatura no teatro, na TV, no cinema, nas artes
plásticas e na literatura. Ele próprio gostava de admitir isso.
"Tudo o que fiz, tudo o que
faço, sempre tem como base o humor. Desde que nasci, desde sempre",
afirmou em depoimento ao site Memória Globo.
Nos últimos 25 anos, Jô ficou
conhecido por ser o apresentador do talk-show mais famoso do país. Na TV Globo,
estrelava o “Programa do Jô”, exibido de 2000 a 2016.
Considerado pioneiro do stand-up,
também se destacou por ser um dos principais comediantes da história do Brasil,
participando de atrações que fizeram história na TV, como “A família Trapo”
(1966), “Planeta dos homens” (1977) e “Viva o Gordo” (1981). Além disso,
escreveu livros e atuou em 22 filmes.
Adolescência na Suíça
José Eugênio Soares nasceu
no Rio de Janeiro em 16 de janeiro de 1938. Era o único filho do
empresário Orlando Heitor Soares e da dona de casa Mercedes Leal
Soares. Em entrevista ao Fantástico em 2012, Jô disse que “pelo fato de sempre
ter sido gordo, preferia ser mais conhecido pelo espírito do que pelo físico”.
“Então, eu era muito, muito
exibido”, assumiu. “Sou muito vaidoso, nunca escondi isso. Qual é o artista que
não é vaidoso? Todos. É uma profissão de vitrine de exibidos. Você nasce
querendo seduzir o mundo.”
Na infância, Jô estudou em
colégio interno. “Chorava muito. Era uma coisa excessiva, uma coisa de
sensibilidade quase gay”, disse ao Fantástico. O motivo era o medo de tirar
nota baixa e não ter direito a voltar para casa nos finais de semana. Na
escola, seu apelido era poeta. “Sendo gordo e ter o apelido de poeta – acho que
já era uma vitória.”
Aos 12 anos de idade, foi estudar
na Suíça, onde ficou até os 17. Lá, passou a se interessar por teatro e shows.
Mas o plano original não era seguir carreira nos palcos.
"Eu pensei que ia seguir a
carreira diplomática”, explicou ao Memória Globo. “Mas sempre ia ao teatro,
sempre ia assistir a shows, ia para a coxia ver como era. E já inventava
números de sátira do cinema americano; fazia a dança com os sapatinhos que eu
calçava nos dedos."
Volta para o Brasil
Como os negócios do pai Orlando
fracassaram, a família teve de retornar ao Rio. Nesta época, Jô estava disposto
a encarar a vocação recém-descoberta nas artes. "Imediatamente comecei a
frequentar a turma do teatro, a mostrar meus números, e a coisa engrenou quase
que naturalmente", lembrou.
O portal IMDb lista ainda que, no
período, ele esteve nos filmes musicais “Rei do movimento” (1954), “De pernas
pro ar” (1956) e “Pé na tábua” (1957). Naquele princípio de carreira
cinematográfica, destacou-se, como ator, na chanchada “O homem do Sputnik”
(1959), de Carlos Manga.
A estreia na TV aconteceu em
1958. Naquele ano, participou do programa “Noite de gala” e passou a escrever
para o “TV Mistério”, que tinha no elenco Tônia Carreiro e Paulo Autran. Eles
eram exibidos pela TV Rio. Na emissora, Jô esteve ainda no “Noites cariocas”.
Em seguida, escreveu e atuou em humorísticos da TV Continental.
Já na TV Tupi, fez participações
no “Grande Teatro Tupi”, do qual faziam parte nomes como Fernanda Montenegro,
Ítalo Rossi, Sérgio Brito e Aldo de Maia. “Eu consegui trabalhar ao mesmo tempo
nas três emissoras que existiam no Rio”, declarou ao Memória Globo.
Em 1960, Jô mudou-se para São
Paulo para trabalhar na TV Record.
“Vim descobrir São Paulo, era
casado com a Teresa, tinha 22 anos. Vim para passar 12 dias e fiquei 12 anos”,
lembrou ao Fantástico ao mencionar o casamento com a atriz Therezinha Millet
Austregésilo (1934-2021), com quem teve seu único filho, Rafael, que era
autista e morreu aos 50 anos.
A partir daí, atuou e escreveu
para diversas atrações, como “La reuve chic”, “Jô show”, “Praça da alegria”,
“Quadra de azes, “Show do dia 7” e “Você é o detetive”.
O grande destaque da época foi “A
família trapo”, exibido entre 1967 e 1971 todos os domingos. No princípio, Jô
apenas escrevia o roteiro – seu parceiro era Carlos Alberto Nóbrega. Depois,
ganhou um papel: o mordomo Gordon. O elenco tinha ainda nomes como Otelo
Zeloni, Renata Fronzi, Ricardo Corte Real, Cidinha Campos e Ronald Golias.
Jô costumava celebrar o
pioneirismo da atração. “Acho que foi a primeira sitcom que se fez”, afirmou ao
Memória Globo. Ao Fantástico, comentou que “foi o primeiro grande sucesso
nacional da TV". “Saí um ano antes [do fim do programa], em 1970. Assinei
contrato com a Globo, onde estavam o Boni, que já me conhecia e de quem já era
amigo, e o Walter Clark.”
Trajetória na Globo
Pelos 17 anos seguintes, a partir
de 1970, Jô Soares ficou na TV Globo. A estreia foi no programa “Faça humor,
não faça a guerra”, ao lado de Renato Corte Real (ambos eram roteiristas e
protagonistas). Os textos eram também assinados por Max Nunes, Geraldo Alves,
Hugo Bidet e Haroldo Barbosa. “Criávamos uma média de 20 e tantos personagens
por ano. Quando terminou o último programa, havia mais de 260 personagens
criados”, enumerou Jô ao Memória Globo.
Em 1973, surgiu um novo
humorístico, “Satiricom”. “Era um programa no estilo do extinto "Casseta
& Planeta", de sátira à comunicação. A gente brincava com as novelas,
com o noticiário. Então, não tinha quadros fixos”, comparou.
Já em 1977, foi a vez de “O
planeta dos homens”, em que novamente se dividiu entre as funções de ator e
redator, com a colaboração de dois de seus parceiros habituais: Max Nunes e
Haroldo Barbosa. O elenco, uma vez mais, chamava atenção: Agildo Ribeiro, Paulo
Silvino, Luís Delfino, Sonia Mamede, Berta Loran, Costinha, Eliezer Motta e
Carlos Leite.
Embora “O planeta dos homens”
tenha ido ao ar até 1982, Jô se desligou um ano antes, para se dedicar ao seu
próximo projeto: o “Viva o gordo”.
"O meu humor tem sempre um
fundo político, sempre tem uma observação do cotidiano do Brasil", dizia.
"Os meus personagens são
muito mais baseados no lado psicológico e no social do que na caricatura pura e
simples. Eu nunca fiz um personagem necessariamente gordo. Eles são gordos
porque eu sou gordo."
Desta galeria de figuras,
destacaram-se o Reizinho (monarca de um reino que satirizava o Brasil da
época), o Capitão Gay (um super-herói homossexual) e o Zé da Galera (do bordão
“Bota ponta, Telê!”).
Talk-show
Quando seu contrato com a Globo
venceu, em 1987, Jô Soares foi para o SBT. Ele atribuiu a mudança à
possiblidade de apresentar um programa de entrevistas na nova emissora.
"No fim do contrato, falei
com o Boni, meu amicíssimo... Na época ficou um ódio, claro. Porque falei ‘não’
[à proposta de renovação com a TV Globo]", admitiu Jô ao Fantástico em
2012. Durante os seus 11 anos de exibição, o talk-show "Jô Soares onze e
meia" rendeu mais de 6 mil entrevistas.
“E durante o processo do
impeachment do presidente Fernando Collor, o ‘Jô Soares Onze e Meia’ funcionou
como uma espécie de tribuna popular, com o apresentador entrevistando alguns
dos principais implicados e testemunhas do caso", aponta o Memória Globo.
“Acho que descobri, também sem
querer, a grande vocação da minha vida, a coisa que me dá mais prazer, mais
alegria de fazer. Eu me sinto muito vivo ali. A maior atração do mundo é o
bate-papo, a conversa”, afirmava o próprio Jô.
Ele retornou à Globo em 2000,
quando estreou o “Programa do Jô”.
"Não foi por uma questão
salarial, porque a contraproposta do SBT era muito alta. Voltei pela
possibilidade de fazer mais entrevistas internacionais, pelas facilidades de
gravação, pelo apoio do jornalismo."
Literatura e teatro
Jô Soares também foi autor
best-sellers e escreveu para jornais e revistas.
Nos anos 1980, escreveu com
regularidade nos jornais “O Globo” e “Folha de S.Paulo” e para a revista
“Manchete”. Entre 1989 e 1996, assinou uma coluna na “Veja”.
Também escreveu cinco livros,
sendo quatro romances. A estreia foi "O astronauta sem regime"
(1983), coletânea de crônicas publicadas originalmente em "O Globo".
O romance "O Xangô de Baker Street" (1995) liderou as listas dos mais
vendidos e foi adaptado para o cinema em 2001. As obras seguintes foram "O
homem que matou Getúlio Vargas" (1998), "Assassinatos na Academia
Brasileira de Letras" (2005) e "As esganadas" (2011).
No teatro, Jô ficou célebre por
seus monólogos, todos marcados pelo tom cômico e crítico, com sátiras da vida
cotidiana e política do Brasil. Os mais conhecidos foram “Ame um gordo antes
que acabe” (1976), “Viva o gordo e abaixo o regime!” (1978), “Um gordoidão no
país da inflação” (1983), “O gordo ao vivo” (1988), “Um gordo em concerto”
(1994) – que ficou em cartaz por dois anos – e “Na mira do gordo” (2007).
Dentre os espetáculos em que
trabalhou como ator nos palcos, estão ainda uma montagem de “Auto da
compadecida” e “Oscar” (1961), com Cacilda Becker e Walmor Chagas. Como
diretor, esteve à frente de “Soraia, Posto 2” (1960), “Os sete gatinhos”
(1961), “Romeu e Julieta” (1969), “Frankenstein” (2002), “Ricardo III” (2006).
De seus mais de 20 trabalhos no
cinema, Jô apareceu em alguns clássicos do cinema nacional, caso de “Hitler
IIIº Mundo” (1968), de José Agripino de Paula”, e de “A mulher de todos”
(1969), de Rogério Sganzerla. Além disso, dirigiu um filme, “O pai do povo”
(1976).
'Hipocondríaco de doenças
exóticas'
Ao Fantástico em 2012, Jô falou
sobre a morte, sempre com bom humor.
"Sou um hipocondríaco de
doenças exóticas. Beriberi – eu nem sei o que é, mas tenho pavor de pegar
isso”, brincou.
"O medo da morte é um
sentimento inútil: você vai morrer mesmo, não adianta ficar com medo. Eu tenho
medo de não ser produtivo. Citando meu amigo Chico Anysio, [uma vez]
perguntaram para ele: ‘Você tem medo de morrer?’. Ele falou: ‘Não. Eu tenho
pena’. Impecável."
Via g1
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