Lideranças indígenas, quilombolas, juventudes, negros e ribeirinhos se unem para exigir uma Conferência focada em direitos territoriais, transição energética justa e redução da influência das empresas. Na imagem acima, ato por Justiça Climática no lançamento da UFPA como território da Cúpula dos Povos Rumo á COP30 (Fotos de @aiancamoreira / Cúpula dos Povos).
Manaus (AM) – A 161 dias do início da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que ocorrerá em novembro em Belém, no Pará, movimentos sociais e organizações da sociedade civil da Amazônia, da América Latina e do mundo têm protagonizado uma mobilização histórica para garantir que as vozes dos territórios mais afetados pela crise climática sejam ouvidas nos espaços de decisão do evento.
A expectativa é que a COP30, um encontro global que reúne líderes de todo o mundo, rompa com o histórico recente de conferências realizadas sob forte influência de interesses da indústria de combustíveis fósseis e de mineração, como ocorreu no Egito, em 2022, no Catar, em 2023, e no Azerbaijão, em 2024. Para os movimentos e coletivos, é hora de ocupar o centro do debate climático para frear retrocessos e colocar as pautas dos povos tradicionais como prioridade nas negociações globais.
As articulações lutam por justiça climática a partir das vivências e da liderança de povos indígenas, quilombolas, juventudes periféricas e populações negras e ribeirinhas. São coalizões que se estruturam para incidir nos debates da conferência mundial, como a Cúpula dos Povos rumo à COP30, movimento paralelo composto por mais de 700 movimentos sociais, coletivos e organizações da sociedade civil de todo o mundo.
De acordo com Iury Paulino, coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a articulação surgiu em 2023, quando os movimentos avaliaram que o espaço de participação da sociedade civil dentro da COP era limitado. “As organizações entenderam que este é um momento importante não apenas para participar do evento oficial, mas para iniciar um processo de mobilizações e lutas que a gente pudesse falar sobre as pautas que afligem os nossos povos”, explicou.
Desde então, o movimento organiza encontros nacionais e internacionais, como aconteceu na COP28 em Dubai. Com uma abordagem antipatriarcal, anticapitalista, anticolonial e antirracista, a Cúpula dos Povos busca fortalecer a convergência entre lutas e construir saídas reais para a crise climática, que não passem por falsas soluções como o mercado de carbono, a financeirização da natureza ou a militarização dos territórios. Essa incidência política contribuiu para a construção da carta política e de princípios que guiarão a realização da Cúpula, prevista também para acontecer em Belém, de forma paralela à COP30, durante os dias 12 a 16 de novembro.
O documento base elaborado pelos organizadores aponta caminhos como a demarcação de terras indígenas e quilombolas, o desmatamento zero, uma transição energética justa, soberania alimentar, acesso à água potável, reforma agrária e urbana, e o reconhecimento da natureza como sujeito de direitos. Desde que foi lançada no ano passado, a carta política assinada pelas organizações, movimentos e redes foi entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à Secretaria Operativa Nacional da COP30 (Secop) e a representantes de órgãos do Executivo e parlamentares. O documento foi construído durante as plenárias realizadas pelo coletivo para resumir o objetivo da Cúpula, as principais críticas às ações adotadas a partir das Conferências, a identificação das causas das mudanças no clima e as soluções que são consideradas reais.
“Soluções reais”
Iury Paulino, integrante da coordenação nacional do MAB (Foto: Igor Meirelles / MAB).

“Queremos discutir soluções reais para os problemas ambientais e sociais sem nos limitarmos ao debate técnico, como as relacionadas à transição energética justa ou infraestrutura de matriz energética, por exemplo. Esse momento serve tanto para mobilizar em torno dessas pautas quanto para sistematizar as experiências e propostas dos povos que enfrentam esses desafios diretamente”, disse Paulino.
Presencialmente em Belém, a programação da Cúpula incluirá plenárias, apresentações culturais, marcha global pelas ruas e feira de produtos e alimentos das comunidades. A logística do evento é pautada na valorização dos saberes dos territórios e na organização deles para manter uma cadeia de produção e distribuição de bens. Isso significa optar por refeições à base de alimentos vindos da agricultura familiar e preparados em cozinhas solidárias e agroecológicas.
No dia 30 de maio, mais de 70 organizações e representantes de povos tradicionais de 13 países reuniram-se em Belém para um ato político que marcou o lançamento oficial da Cúpula dos Povos. O evento, sob o lema “Da Amazônia para o Mundo: Justiça Climática Já!”, destacou a exigência de que os povos originários e tradicionais sejam protagonistas nas decisões sobre a crise climática, valorizando seus saberes e experiências.
A expectativa da Cúpula é reunir cerca de 15 mil pessoas durante cinco dias, entre lideranças de coletivos de mulheres, indígenas, camponeses, quilombolas, negros, juventude, LGBTQIAPN+, ambientalistas, sindicalistas e movimentos de defesa dos direitos humanos. Na abertura do dia 12, uma “barqueata” percorrerá os rios que cercam Belém, Guamá e Guajará, numa espécie de passeata sobre as águas. Há delegações internacionais que estão se preparando para fazer o percurso de vinda ao Brasil mesclando trechos em avião, ônibus e embarcações. A ideia é fazer paradas durante o trajeto para interagir com as comunidades e outras delegações, uma forma de fomentar a agenda de debates sobre justiça climática.
Organizar toda essa logística é um dos maiores desafios, conforme explica Paulino. “O espaço oficial da COP não é pensado para acolher a participação popular em grande escala. A Cúpula dos Povos é uma resposta a isso.” Outro obstáculo é articular pautas comuns entre mais de 700 organizações envolvidas, além das dificuldades financeiras e estruturais. “Nosso desafio é fazer com que o conteúdo que estamos produzindo nesse espaço paralelo consiga influenciar de alguma maneira os debates que acontecem na COP oficial”, disse a liderança.
Os movimentos entendem que é urgente um esforço global para reverter os danos ambientais e sociais. Com a Cúpula, esperam exercer pressão como sociedade civil para que o governo brasileiro adote medidas mais ousadas e rápidas para conter a crise climática, servindo de exemplo para os demais signatários do Acordo de Paris. Além disso, a participação popular é encarada como possível marco para um País democrático como o Brasil já que as últimas COP se mantiveram fechadas e realizads em contextos de governos autoritários.
“É importante questionar o formato estabelecido nas COP. E o fato da gente fazer esse processo paralelo autônomo, mas com a perspectiva de que possa ter seu lugar no espaço oficial, faz um pouco dessa nossa definição de que os espaços oficiais não necessariamente correspondem às demandas dos povos da floresta. Se a gente fala da Amazônia, quem está defendendo a floresta de fato? São os povos que vivem nela. É difícil pensar em soluções para a crise climática sem a participação desses povos, e infelizmente, o espaço oficial da COP ainda não está estruturado para garantir isso”, manifestou Paulino.
Comitê COP30 e o protagonismo da Amazônia
Organizações da sociedade civil articulam participação na construção da conferência em Belém (Foto Comitê CPO30).

Outra frente que atua na mobilização dos movimentos sociais rumo à COP30 é o Comitê COP30, formado a partir da campanha “COP30 Amazonian Civil Society Host”, criada durante a COP28, em Dubai. Segundo Anaís Cordeiro, ativista socioambiental e integrante do Comitê Chico Mendes, uma das cinco organizações idealizadoras do Comitê, a coalizão nasceu a partir de articulações no território amazônico.
“Entendemos que quem está no território é capaz de conectar as pautas locais e globais, e fazemos isso centrados em uma perspectiva socioambiental, incluindo as pessoas, suas demandas, culturas e inventividade no centro das discussões climáticas”, disse.
A coalizão é conduzida por organizações amazônidas como o Comitê Chico Mendes, Instituto Mapinguari, Laboratório da Cidade, Mandi e Tapajós de Fato, e hoje conta com quase 100 organizações, a maioria da região Norte. A atuação inclui diálogo com os espaços oficiais da COP. A maior parte das organizações que compõem o Comitê COP30 são organizações de base, dedicadas à defesa dos direitos dos povos indígenas, das comunidades tradicionais e das periferias urbanas. “Falamos dos nossos territórios em primeira pessoa, buscando assegurar o aspecto social, seja acompanhando as negociações, participando de eventos, revisando documentos, fazendo proposições ousadas e esperançosas”, afirma Anaís.
O Comitê vem implementando estratégias para garantir a participação da sociedade civil amazônica na conferência. “Nossa rede atualmente passa por processos formativos em negociações internacionais e outras temáticas. Também construímos juntos documentos e materiais educativos e informativos”, explica Cordeiro. Entre as ações, destaca-se a campanha “Nossa chance para adiar o fim do mundo”, lançada em outubro de 2024 e que traz propostas ambiciosas nas áreas de adaptação climática, restauração ecológica, sistemas alimentares, demarcação territorial e governança climática.
No ano passado, um documento com 39 propostas para a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) brasileira foi entregue pelo Comitê a representantes do governo. O Comitê tem acompanhado e participado desde construções locais, como fóruns estaduais de participação social, até construções nacionais, como os Planos Setoriais e Temáticos do Plano Clima Adaptação, e eventos internacionais, como a conferência da ONU sobre mudanças climáticas, que acontecerá na Alemanha, em junho.
“A conferência em novembro é apenas parte de um processo que já se iniciou”, ressaltou Anaís. “O Comitê tem atuado em eventos e fóruns estaduais, nacionais e internacionais, construindo incidência política contínua.”
Para participar ou se engajar nas ações do Comitê, a sociedade civil pode aderir a campanha “Nossa Chance para Adiar o Fim do Mundo”. “A iniciativa tem abrangência nacional, partindo principalmente de perspectivas e vivências do território amazônico. Queremos colocar no centro da discussão a relação das pessoas com os seus territórios”, disse Cordeiro.
Articulação indígena
Ato por Justiça Climática no lançamento da UFPA como território da Cúpula dos Povos Rumo á COP30 (Fotos de @aiancamoreira / Cúpula dos Povos).

Com o objetivo de defender a floresta, os povos tradicionais, a biodiversidade e o clima global, além de fortalecer as demandas comuns dos povos indígenas e aumentar a pressão sobre governos por ações climáticas efetivas, organizações indígenas formaram uma coalizão de lideranças indígenas dos nove países que compõem a Bacia Amazônica: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Criado durante a COP16 sobre Biodiversidade na Colômbia, em outubro de 2024, o G9 da Amazônia Indígena busca garantir o protagonismo indígena nas negociações climáticas internacionais, especialmente na COP30.
Segundo Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), uma das organizações que fazem parte do grupo, o G9 tem um representante no Círculo dos Povos do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), estrutura que vai funcionar dentro da estrutura oficial da presidência da COP30 como forma de garantir a máxima participação indígena na conferência. A Coiab também está presente no Círculo dos Povos.
“O G9 da Amazônia Indígena desempenha um papel crucial na articulação e ampliação da participação indígena nas discussões climáticas e de biodiversidade globais, buscando influenciar as políticas e decisões que afetam diretamente seus territórios e modos de vida”, disse a liderança.
O grupo estruturou suas principais pautas para a COP30 a partir de um processo coletivo de escuta, articulação e elaboração entre representantes indígenas dos nove países da Bacia Amazônica. “As propostas refletem preocupações históricas dos povos indígenas com a preservação ambiental, a justiça climática e o respeito aos seus direitos territoriais e culturais”, afirmou Toya.
Uma das principais pautas é o reconhecimento das Terras Indígenas como solução climática, exigindo que a demarcação, titulação e proteção dos territórios indígenas sejam oficialmente reconhecidas como estratégias eficazes de mitigação e adaptação às mudanças climáticas nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) dos países e um Balanço Ético Global sobre o Clima, que consiste na revisão das metas propostas pelos governos para limitar as emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). Outra demanda do grupo é que o financiamento climático seja passado aos povos indígenas, criando mecanismos para que recursos financeiros internacionais cheguem diretamente às mãos dos indígenas, sem passar por ONGs ou governos.
Além disso, o grupo destaca os impactos diretos das mudanças climáticas em seus territórios, como secas extremas, alagamentos, queimadas e ameaças de grandes empreendimentos extrativistas. Em outubro de 2024, oito organizações representativas, incluindo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coiab, divulgaram uma carta intitulada “A resposta somos nós”, em que determinam a copresidência da COP30 que acontecerá no Brasil, justificando que, ao conceder mais poder aos indígenas, eles podem contribuir com o acúmulo de conhecimentos que têm. O grupo também exigiu o fim da era dos combustíveis fósseis.
“Não aceitaremos mais nenhum projeto de petróleo e gás e qualquer outra forma de exploração predatória na Amazônia brasileira, em nossos territórios e nossos ecossistemas. Não haverá preservação da biodiversidade e nem territórios indígenas seguros em um planeta em chamas”, diz um trecho da carta.
O grupo também destaca a necessidade de consulta prévia, livre e informada aos povos indígenas sobre projetos que afetem seus territórios, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O G9 vem se articulando desde sua criação na COP16 da Biodiversidade. Desde lá, a coalizão já se encontrou em Manaus, no Amazonas, em fevereiro deste ano, onde pediu financiamento climático direto para os povos indígenas e o fim da exploração de petróleo na Amazônia. O G9 também participou do Acampamento Terra Livre 2025, em Brasília, Distrito Federal, onde lançou uma declaração conjunta com os povos indígenas da Amazônia, Ilhas do Pacífico e Austrália.
O próximo encontro do G9 está previsto para ocorrer entre 2 e 6 de junho, durante a pré-COP indígena em Brasília, onde serão definidas e apresentadas as demandas de negociação climática para cada país amazônico, em preparação estratégica para a Conferência do Clima de Bonn, que antecede a COP30.
Para acompanhar:
Cúpula dos Povos Rumo à COP30
Comitê COP30
Site: https://comitecop30.org
G9 da Amazônia Indígena
Site: https://coiab.org.br/
Por: Amazônia Real
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