Viajantes indígenas cruzam países rumo à COP30 em Belém

Flotilha Amazônica Yaku Mama (Foto: Amazon Watch).


Lideranças vindas do Equador e de países da América Central estão a caminho de Belém, para participar e serem ouvidos em suas demandas de justiça climática e respeito a seus direitos.

Cuiabá (MT) – Faltando três semanas para o início da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30), povos indígenas e representantes de território de países da América do Sul e Central estão viajando e cruzando países para participar do evento em Belém (PA). Em embarcações a Flotilha Amazônica Yaku Mama, proveniente do Equador, e de carros a Caravana Mesoamericana pelo Clima e a Vida, da Nicarágua.

Entre as propostas e demandas que ambas estão levando à COP30 se destacam a resistência à violência contra a Mãe Terra e os territórios, denúncias contra o sistema financeiro capitalista, maior visibilidade à biodiversidade e a pluriculturalidade dos povos, além da exigência da construção participativa de alternativas para uma vida harmoniosa com a natureza.

A Flotilha Amazônica Yaku Mama começou sua viagem no dia 16 navegando pelo rio Napo, na cidade de Coca, no Equador. Os participantes exigem o fim da exploração de combustíveis fósseis na Amazônia e justiça climática nos territórios dos povos originários. Fazem parte da viagem duas embarcações e 50 pessoas, entre eles, representantes indígenas da Amazônia, Mesoamérica, República do Congo e Indonésia, unindo os Andes e a Amazônia em uma travessia fluvial de 3.000 quilômetros até Belém.

A viagem pelos rios amazônicos levará três semanas até chegar a Belém. No percurso, os navegantes participam de atividades em várias localidades dos países fronteiriços, como por exemplo, a visita que fizeram ao Parque Yasuni, no Equador.

O itinerário também inclui comunidades peruanas como Puerto Rico, Vista Hermosa e Centro Arenal, além da cidade de Iquitos, onde participaram do Festival de Cinema Flutuante na Amazônia. O itinerário seguinte é a tríplice fronteira Peru, Colômbia e Brasil. Na região do Alto Solimões, eles pretendem dialogar com indígenas desta região, especificamente nas cidades de Tabatinga (Brasil) e Letícia (Colômbia). Há também planos dos indígenas irem até Atalaia do Norte, onde fica a Terra Indígena Vale do Javari.



O itinerário segue pelo rio Solimões, com uma parada em Manaus no final deste mês, onde há uma programação prevista com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab). No dia 3 de novembro estarão em Santarém, no Pará, para visitar comunidades afetadas pelo garimpo e conhecer brigadas indígenas contra incêndios florestais. O plano é chegar em Belém no dia 7 de novembro para participar da COP30.

O movimento indígena navegante denuncia as falsas soluções que, em nome da transição energética, continuam impondo projetos que afetam territórios indígenas, explicam os organizadores. E também leva a reivindicação de que qualquer projeto de energia limpa respeite o consentimento livre, prévio e informado e que se garanta uma transição justa e respeitosa à cultura e aos direitos indígenas.

A liderança Katty Gualinga, indígena kichwa de Sarayaku, do Equador, afirma que as propostas que estão levando para a COP30 surgem da profunda compreensão que eles têm da natureza. “Nós, povos indígenas, somos parte da solução para a crise climática porque vivemos em conexão e harmonia com a floresta tropical, cuidamos dela, dos rios, cachoeiras, lagoas e animais, e mantemos vivo o conhecimento ancestral transmitido por nossos avós”, disse ela, em entrevista à Amazônia Real, já durante o percurso da viagem. Os passageiros têm acesso à internet via satélite.

Demandando o fim do uso e da exploração de combustíveis fósseis, a caravana Yaku Mama quer evitar a continuação das violações aos direitos da natureza e aos direitos humanos, especialmente dos povos indígenas em seus territórios. Diante dessa realidade, explica Katty, existem alternativas verdadeiras, como o Kawsak Sacha, um modo de vida sustentável, equilibrado e harmonioso entre humanos e natureza.

Mas para isso, é necessário que exista uma desconstrução da ideia de desenvolvimento baseado apenas na tecnologia, e se torna “urgente apoiar propostas de vida dos povos que reconhecem a floresta tropical como Mãe Natureza, com quem mantemos um vínculo espiritual e vital”, acredita a liderança kichwa.

“Nosso território não apenas nos dá vida, mas também ajuda a equilibrar o clima de todo o mundo. Defender a floresta tropical significa defender a vida de todos”, afirma Katty.

Durante a travessia, eles denunciam atividades exploratórias ilegais dentro dos territórios, como o garimpo e o desmatamento, e mostram as soluções que já acontecem em suas comunidades, como o uso de saberes tradicionais e iniciativas de economia sustentável.

A proteção do território é importante, diz Leo Cerda, indígena Kichwa do Equador, mas também é necessário que dentro das terras indígenas aconteçam atividades econômicas que ajudem as comunidades, valorizando a cultura e o conhecimento local, promovendo melhorias na vida das pessoas sem interferir na natureza.

Ele acredita que projetos sustentáveis como a produção de biojoias, turismo sustentável, produção de alimentos e bebidas com insumos locais podem promover que os indígenas não tenham que ir para as cidades e abandonar seus territórios. “Se não tem ninguém lá, nossos territórios ficam mais propensos a atividades ilegais e a serem acabados”, diz Leo. Além disso, ao ter que sair de suas comunidades, os indígenas sofrem muito mais com racismo e discriminação por sua origem, sofrem com mais violência.

Dessa forma, a luta pelo território e pela defesa da floresta se converte numa luta pela sobrevivência. De acordo com a Global Witness, uma organização de direitos humanos que investiga temas como a destruição ambiental, conflitos, corrupção e abusos aos direitos humanos, entre 2012 e 2024 mais de 2.100 defensores ambientais foram assassinados, sendo 40% deles indígenas.

Mas a Flotilha Yaku Mama também traz esperança. “Esta flotilha não é só um protesto, é uma mensagem viva que navega pelas veias da Amazônia”, afirmou o jovem kichwa Alexis Grefa, também à Amazônia Real.

Dados do Projeto Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP), que usa ferramentas e imagens de satélite para detectar o desmatamento na Panamazônia, indicam que os territórios indígenas e unidades de conservação do bioma amazônico cobrem quase metade da Amazônia e armazenam 60% de todo o carbono da floresta. Entre 2013 e 2022, enquanto o restante da bacia emitia mais carbono do que absorvia, esses territórios atuavam como sumidouros, absorvendo 257 milhões de toneladas de CO₂.

E esses dados confirmam a realidade: os povos indígenas não são apenas vítimas, mas protagonistas das soluções climáticas. A exigência da Flotilha Amazônica é que as políticas climáticas devem ser construídas desde os territórios. “Por isso é fundamental que nossas vozes sejam ouvidas nas negociações do clima na COP e na tomada de decisões, porque se decide por nós e por nossos territórios”, afirma Leo.

Caravana quer união dos povos Caravana Mesoamericana pelo Clima e a Vida (Foto: Red de Espejos del Sur Global).


A Caravana Mesoamericana pelo Clima e a Vida é uma mobilização coletiva convocada como resposta à emergência climática e à destruição de territórios e culturas existentes desde o México até o Panamá.

Inspirada pelos acordos do Encontro Global pelo Clima e a Vida, realizado em Oaxaca, México, em novembro de 2024, a caravana ocorre teve seu início na primeira semana de outubro na comunidade Pótam, no estado de Sonora, norte do México, e espera chegar em Belém no dia 10 de novembro, coincidindo com a COP30, passando por Guatemala, El Salvador, Honduras, Costa Rica, Panamá, Colômbia, Equador e Brasil.

De acordo com o comunicado dos organizadores, o objetivo da caravana é unir povos e comunidades da região mesoamericana em um ato de resistência contra megaprojetos de exploração, a violência estrutural e a crise climática, destacando a urgência de defender a Mãe Terra, os territórios originários e a vida em todas as suas formas.

Essa disputa dos governos e empresas pelos territórios tradicionais se traduz em uma guerra contra os povos que neles habitam, impactando a biodiversidade e a cultura local. A caravana busca visibilizar a riqueza biológica e cultural da região, e exigir justiça climática, com foco especial na defesa da água como bem comum e fonte de vida, ameaçada pela privatização e contaminação.

No entanto, afirma o comunicado, a justiça climática não se trata só da redução de emissões ou de políticas globais, mas também da “restauração da relação harmoniosa entre os povos e a natureza, e a defesa do direito a um futuro sustentável para todos”.




Por: Amazônia Real

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